“Estamos a escavar uma aldeia” da Idade do Ferro
Escavações no Castro de Salreu chegam amanhã ao fim
A terceira campanha arqueológica no Castro de Salreu está a chegar ao fim, após quatro semanas de escavações que envolveram uma equipa de cerca de 40 pessoas, entre arqueólogos, estudantes e outros voluntários. Horas e horas de trabalho moroso vieram corroborar a existência da ocupação do local há cerca de 2500 anos, na Idade do Ferro, e desenterraram novos achados.
Na zona, onde agora proliferam eucaliptos e floresta, podemos imaginar “alguma vegetação natural, carvalhos, castanheiros, mas sobretudo casas redondas, de pedra, com coberturas vegetais. Era um povoado que, à chegada dos romanos, provavelmente foi abandonado. Podemos imaginar todo este topo do monte cheio de casas, pessoas, animais, atividades profissionais, teares, fornos, como uma aldeia.” Assim seria há 2500 anos atrás, cinco séculos antes do nascimento de Jesus Cristo, no Castro de Salreu. O exercício é feito por António Manuel Silva, presidente do Centro de Arqueologia de Arouca, sendo possível graças às campanhas arqueológicas que se têm realizado no local.
Onde agora é floresta viviam centenas de pessoas
Apesar do local ter sido afetado por vegetação e intervenções recentes, o que dificulta as investigações, a equipa de especialistas atesta “um conjunto de indícios muito interessantes” que “confirmam que este povoado proto-histórico, pré-romano, teve uma área doméstica, residencial e teve estruturas de limitação com funcionalidade defensiva mas não só”, referindo-se à muralha de xisto encontrada, que teria dois a três metros de altura e serviria igualmente para delimitar a aldeia. Neste local, “viviam umas centenas de pessoas e existiam dezenas de casas”, continua a descrever o responsável, sendo o carácter exclusivamente indígena um dos seus principais atrativos.
Noutra sondagem, a poucos metros da muralha e a uma profundidade de dois metros, os arqueólogos e a sua equipa de voluntários escavam uma pequena casa no topo do castro e cuja dimensão revela o modo de vida do povo que ali viveu no período da Idade do Ferro. Seria uma construção redonda e frágil feita em xisto e pedra seca, sem qualquer tipo de argamassa. “Estamos a começar a definir todo o interior, nomeadamente o piso de circulação e uma pequena lareira. Vamos continuar a escavar para tirar mais elementos para futuras datações”, explica o arqueólogo Gabriel Pereira.
Apesar de moroso, é “gratificante”, diz Gabriel. “Às vezes é uma questão de sorte aparecerem este tipo de estruturas, porque muitas das vezes estão destruídas por ações mais contemporâneas. Neste caso, a estrutura apareceu o que é ótimo. Está a tornar-se realidade”, afirma.
Sítio de enorme potencial arqueológico
Mesmo a correr contra o tempo, este trabalho requer doses de persistência e paciência, sendo produzido com recurso a um colherim, uma pequena colher que lentamente vai-nos trazendo pedaços do distante passado. Esse passado vem em forma de fragmentos de “cerâmicas que distinguem o tipo de utensílios que eles utilizavam, escória e outros restos de fundição, cerâmicas decorativas que seriam de potes e taças” ou até de um curioso objeto que os arqueólogos pensam ter servido como “peso de tear ou de suporte de cobertura das habitações”, refere a arqueóloga Sara Almeida e Silva, ao mesmo tempo que mostrava os vários achados.
Outras peças que se distinguem aos olhos da especialista são as “duas contas de colar”, reveladores de outros objetos utilizados à época. Sara Silva afirma que “não é frequente aparecerem assim tantos objetos tão expressivos”, permitindo adiantar que Salreu é um “sítio de enorme potencial arqueológico”, pelas estruturas que preserva e pelos materiais que vão aparecendo.
Os importantes vestígios da ocupação do local fornecem, cada vez mais, dados mais precisos “em termos de cronologia e informação científica”, especifica António Silva. “Começam a aparecer ruínas que as pessoas vão gostar de ver restauradas, musealizadas e assim perceber como se vivia aqui há mais de dois mil anos.”
Sensível à preservação das memórias e do património local, a Câmara Municipal de Estarreja apostou nesta aventura e reconhece que há ainda “um grande caminho a percorrer e teremos todo o interesse em aprofundarmos estas descobertas”, garantiu no local o Vereador da Cultura, João Alegria. Satisfeito pelos resultados desta terceira campanha, que vêm “consolidar as descobertas do ano passado”, considera que as expectativas foram superadas e vieram reafirmar a “relevância histórica deste sítio”, bem como o potencial para se tornar num “centro de referência ao nível da arqueologia neste período pré-romano e na zona à volta da foz do Antuã”. O arqueólogo Gabriel Pereira acrescenta que junto à costa não existem muitos sítios como estes e Salreu é um “caso paradigmático”.
Sob orientação de arqueólogos do Centro de Arqueologia de Arouca, os trabalhos realizados com o apoio da Câmara Municipal de Estarreja tiveram mais uma vez associado um programa de voluntariado que reuniu participantes não só do concelho, como de municípios vizinhos e até do estrangeiro, como é o caso de Espanha e Brasil.