Egas Moniz era uma personagem apaixonante

“Memórias marcantes” do tempo passado na Casa do Marinheiro, na companhia dos tios Egas Moniz e D. Elvira, foram revividas pelos sobrinhos netos do único Prémio Nobel da Medicina, que se juntaram para uma conversa em família, nas comemorações dos 140 anos do nascimento do cientista. O dia 29 de novembro culminou com um concerto pela Banda Bingre Canelense no Cine-Teatro de Estarreja.

terça, 09 de dezembro 2014

“Memórias marcantes” do tempo passado na Casa do Marinheiro, na companhia dos tios Egas Moniz e D. Elvira, foram revividas pelos sobrinhos netos do único Prémio Nobel da Medicina, que se juntaram para uma conversa em família, nas comemorações dos 140 anos do nascimento do cientista. O dia 29 de novembro culminou com um concerto pela Banda Bingre Canelense no Cine-Teatro de Estarreja.
 
Num momento único, a Câmara Municipal de Estarreja reuniu os três sobrinhos-netos de Egas Moniz na Casa-Museu, que todos os meses de setembro passavam as férias em Avanca quando eram crianças. “Sempre que há acontecimentos importantes, venho com enorme prazer porque fiz aqui uma grande parte da minha infância. Era um tempo extraordinário porque os nossos tios avos tinham connosco um carinho fantástico. Eles não tiveram filhos e nós eramos os netos deles. Em Lisboa todas as quintas-feiras passávamos lá em casa deles”, recorda António Macieira Coelho.
 
As férias de verão em Avanca eram bastante preenchidas. “O nosso tio-avô era uma pessoa de uma vivacidade, de uma imaginação de enorme fantasia, estava sempre a preparar coisas para a nossa chegada e enquanto aqui estávamos no mês de setembro estava sempre a animar-nos”.   
 
Vindas da grande capital, as crianças eram incentivadas a participar nas tarefas do campo. “Ele também gostava muito que participássemos nos trabalhos aqui da quinta e que conhecêssemos a quinta. Queria que acompanhássemos e aprendêssemos”, lembra António.  
 
Eduardo Macieira Coelho recordou divertido as marotices de Egas Moniz. “Quando eramos miúdos o meu tio organizava umas desfolhadas. Todos os pequenos lavradores à volta vinham aqui fazer as desfolhadas. O meu tio encomendava 3 milhos pretos que cada um de nós tinha escondido. De repente, lá fazíamos uma trafulhice qualquer, mostrávamos o milho preto e íamos abraçar as raparigas. O meu tio muito maroto dizia assim: mas apertaram bem?”
 
“As histórias da vida dele, da região e várias coisas” eram tema de conversa, acrescentou António Macieira Coelho, quando ele “reservava uma parte do dia para nos reunir na Biblioteca. Os cinco sobrinhos-netos à volta dele… Estávamos sempre entretidos”. 
 
O “homem inventivo” é uma das facetas mais recordadas. A vacaria que Egas Moniz instalou na Quinta do Marinheiro apresentava uma peculiaridade, conforme disse Álvaro Macieira Coelho. “Ele fez uma coisa curiosa e de uma grande simplicidade aparentemente, fazer ali a vacaria. Havia música para que as vacas produzissem leite e muito melhor do que as outras vacas que não tinham música. Este homem até trouxe para uma aldeia do norte do país vacas a gostarem de Haendel, Mozart ou Chopin! Acho isso uma coisa fabulosa. Era uma personagem cheia de módulos e apaixonante”.
 
“Estou muito grato e é sempre gratificante vir aqui, acho admirável como esta Câmara tem um carinho pela figura de Egas Moniz e por esta Casa”, afirmou Eduardo Macieira Coelho no final da sessão. 
 
“Esse legado nunca se perde. Tudo o que ainda hoje se faz na cirurgia do cérebro embora hoje a farmacologia resolva muitas situações, mas há muitos casos em que ainda se vai recorrer ao método de Egas Moniz. Não deixou de ser atual. Não é só o Prémio Nobel, é a própria escola portuguesa da angiografia que foi criada a partir daí e toda a cirurgia do cérebro”, sublinha António Macieira.
 
Câmara quer Governo mais interventivo
 
O Presidente da Câmara Municipal de Estarreja, Diamantino Sabina, congratulava-se com os “momentos partilhados, um pouco mais íntimos, do que foram as vivências dos sobrinhos netos. Egas Moniz é uma marca do Município, é o nosso ex-libris e é uma figura que marca profundamente a nossa História. Como herdeiros deste legado tão importante não podemos deixar de o valorizar”.
 
Na opinião do Vereador da Cultura, João Alegria, este foi um “momento histórico e único” que juntou os três sobrinhos-netos e “testemunhos vivos do que foi estar, brincar e aprender com Egas Moniz, um homem que foi um génio e pioneiro”. A Câmara Municipal tem estado sozinha na promoção de tão importante figura, devendo o Governo ser “mais interventivo”, afirmou João Alegria, num ato de justiça a um património municipal, mas também “património nacional e universal. O Governo deverá assumi-lo”.
 
O desafio, lançado em tempos, da criação do polo do Museu da Saúde, que chegou a ser partilhado por dois Ministros da Saúde que visitaram Avanca nos últimos anos, acabou por ficar suspenso. Esse seria o projeto que “faria recolocar Egas Moniz no panorama de uma marca nacional”.
 
Diamantino Sabina adiantou que “vamos tentar desenvolver mais alguns contactos e quem sabe ter uma nova parte do polo museológico renovada e uma parte dedicada às Ciências”, destacando a recente abordagem feita ao Primeiro-Ministro em Avanca, onde lhe foi dirigido o convite para visitar a Casa Museu, tendo a Câmara enviado os três livros reeditados recentemente: “A Nossa Casa”, “A Vida Sexual” e “Confidências de um Investigador Científico”.
 
O dia comemorativo culminou no Cine-Teatro de Estarreja, com o concerto “Banda Bingre Canelense revisita Richard Wagner”, com direção musical do maestro Nelson Aguiar e voz de Susana Milena. Num programa desenhado ao gosto do Nobel, fez-se a homenagem musical a um homem amante da cultura. “O deslumbramento pela música de Richard Wagner levou o casal Egas Moniz, alguns anos seguidos aos festivais de Bayreuth”, escreve António Macieira Coelho, sobrinho-neto do reconhecido neurologista nascido em Avanca, mostrando quanto Egas Moniz apreciava o compositor alemão. Um momento solene, onde se recordaram dois génios nascidos no século XIX.
 
 
 
“Foi uma experiência extremamente vivida e estou extremamente grato a todos os que contribuíram para esta reunião e para avivar e manter a memória do nosso tio. Sempre registei e apreciei imenso, o meu tio era uma pessoa extraordinária e era capaz de ouvir. Tentei, na medida do possível, seguir o seu exemplo, ouvir os outros. Achava notável que ele, quando cumprimentava, fosse um trabalhador do campo ou fosse um príncipe, tinha sempre o mesmo sorriso.”
Álvaro Macieira Coelho
 
“Chamava-nos e nós ouvíamos mas ele também nos ouvia e gostava de saber as nossas opiniões. Sendo uma pessoa de elevadíssima craveira, de inteligência, era um homem que gostava de ter conversas simples, falava com todos, com os empregados da quinta, com quem aqui aparecia e mesmo quando vinha aqui em férias dava as suas consultas a quem queria vir consultá-lo embora não fizesse consultas em Avanca.” 
António Macieira Coelho
 
“Acho que a sessão foi comovente. Relembro com frequência a figura do meu tio que eu posso sintetizar desta maneira: era um homem de uma grande elegância, de elegância de maneiras e de elegância intelectual. Isso foi uma grande lição para a minha vida.”
Eduardo Macieira Coelho
 
 
 
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